Quando tivemos nosso primeiro dia de experimento foi diferente pra mim, porque estava naquela sala sozinha desde Setembro e agora estava diante de duas pessoas esperando o meu dizer, tinha vontade de sair fazendo os movimentos, fazendo o que queria, mas não dava tinha que dizer algo, o que queria deles, comecei passando para eles o aquecimento que é mais específico para o meu trabalho, depois propus alguns experimentos e passamos para uma sequência coreográfica. Os outros dias foram nessa estrutura, passava coisas que vivenciava no meu corpo.

Depois de um tempo percebi que estava perdendo muito tempo em uma sequência coreográfica, onde o momento era experimentar, a partir daí mudei algumas coisas, passamos a experimentar os movimentos das costas, partes do corpo, formas corporais, dei o tecido pra eles e fomos experimentando.

Os primeiros dias de encontro com os colaboradores foram cheios de contra tempo, atrasos, ocupações pessoais e isso me fez pensar o porque pessoas optam por trabalharem sós ou com poucas pessoas, porque as vezes fica complicado administrar algumas coisas, tem que assumir determinadas posições que não estamos preparados para assumir, ou não queremos assumir. Não sei chamar atenção, tem nem porque disso, espero para que cada um assuma a responsabilidade.

A escolha dos colaboradores

Um corpo feminino, por que a escolha de dois masculinos??

Escolhi os dois colaboradores mais pela proximidade com eles e a capacidade de intérprete de conseguirem captar uma outra linguagem.

O Valdemir foi meu primeiro professor de dança contemporânea no Centro de Artes da Universidade Federal Amazonas, depois de um tempo o reencontrei sendo meu professor na Universidade onde fazia a graduação em Dança, participei do Grupo de Performances Artísticas com ele onde eu colaborava nas criações, trabalhamos juntos a um tempo, então nossas linguagens se cruzam.

O Odacy porque tem o Corpo de Arte Contemporânea e eu faço parte do corpo.

No começo era estranho ver o que criava nos corpos deles, queria que fosse igual, mas não é pra ser, primeiro que meu corpo é feminino, possuí possibilidades que são próprias da anatomia do corpo de uma mulher, mesmo assim cada corpo tem seu biotipo. Um dos colaboradores é alto e magro, o outro é baixo. Então não tem como o movimento ser igualzinho nos corpos, mas está ai a busca do intérprete explorar o seu corpo para chegar aquela movimentação.

Quando apresentei os experimentos foi muito estranho pra mim, passei tanto tempo sozinha que o olhar do outro me intimidava, era outro espaço. Depois que apresentei foi dito a mim que ainda não consegui assumir o corpo, que eu ia junto com o “personagem” ficava oscilando, era um corpo feminino, que determinados momentos pedia uma sensualidade e eu não permitia, não deixava o corpo, o “personagem” ir para onde ele queria.

Depois disso lembrei do livro “O Ator invisível de Yoshi Oida” quando ele fala do personagem como marionete que ficamos por trás manipulando, mas quem está assistindo não pode ver o fio, ele tem que está esticado, pois se em algum momento ficar solto a apresentação se perde. Fiquei pensando como isso se dá? Essa é outra coisa que não tem receita, é a busca de cada uma, mas penso que o primeiro passo é o exercício.

Para dar inicio a 2 fase do processo achei importante mostrar os experimentos para os dois colaboradores, para que pudessem ver onde estava naquele momento, falar sobre a pesquisa, como foi a primeira fase, o que esperava deles e como seria essa próxima fase.

Gosto da ideia de ritual, de ciclos, então neste dia foi uma espécie de ritual simbolizando o termino de uma fase e o inicio de outra.

Experimentação de múltiplas possibilidades -2 fase

No dia 01 de Dezembro foi o término da 1 fase e o início da 2 fase do processo. Objetivo dessa fase é pesquisar movimentos a partir da compilação dos referenciais re/conhecidos da 1 fase e descobrir a a motivação para criação

Essa fase que se iniciou já foi diferente, até então estava trabalhando sozinha e a partir deste dia entraram no processo 2 coreógrafos colaboradores o Valdemir de Oliveira e o Odacy de Oliveira. Muitos podem se perguntar o porquê dos dois? Já que a pesquisa é a busca de uma singularidade coreográfica.

A vinda deles visa à troca de papeis, enquanto um cria os outros dois tornam-se intérpretes. Os 3 passaram por esse processo de criar e interpretar.

A relevância dessa troca é perceber a linguagem que se cruza, a influência dos coreógrafos, e saber diferenciar meu discurso, porque só poderia perceber algumas coisas através dessa troca.

Por vezes sendo intérprete sentia meu corpo estranho, vazio, descoordenado, era como se não soubesse dançar…

Linguagens vivenciadas-subsidiando uma escrita coreográfica

Todo este relato fez parte da primeira fase do processo que teve como foco a criação de experimentos pautados em referenciais, esses referentes a minha trajetória pessoal, re/conhecendo as diversas linguagens vivenciadas que transitam em meu corpo.

Corpo, torções, pano, formas, parede, linhas, chão, contração, cadeira, possibilidades, plasticidade, interno, externo, partes do corpo, partes do todo, desenhos, contraste de tempo, movimentos, detalhes,vivência, dor, medo, força, visceral… Assim foi a primeira fase do processo, termino com uma série de rascunhos/experimentos.

O outro

Como que eu saberei se encontrei minha singularidade coreográfica? Como que o artista sabe qual é a sua escrita? Estamos em constante processo de mudança, o que vivo reflete na minha dança, todos os dias vivo coisas novas, diante desse constante formar o que fica? Onde está a singularidade?
Nesse processo estava me sentindo muito só, precisava conversar com alguém, dizer, ouvir… Foi ai que chamei o Valdemir, que vem acompanhando meu processo a um tempo, para dialogar comigo e dentre conversas falamos sobre a singularidade. Vocês podem ouvir uma parte da conversa.
http://www.youtube.com/watch?v=0Ffm0yEgBcg

No dia seguinte dos experimentos acordava com muitas dores no corpo, sentia que precisava encontrar uma forma de aquecer ocorpo, pois os aquecimentos que utilizava não davam conta de prepará-lo para os experimentos, a partir daí passei a desenvolver aquecimentos específicos para o trabalho, pois utilizo muita torção, flexibilidade, força, detalhes.

Com isso fui sentindo meu corpo mais disponível para o trabalho.

Olhei para o pano e resolvi colocá-lo na cabeça e pensei como seria o corpo sem cabeça? Fiquei explorando formas, movimentos… e olhando para aquela figura comecei a me questionar.

Por que para me identificar eu preciso da carteira de identidade, ou algum documento com foto? Ela contém o seu rosto estampado, meu rosto é capaz de dizer quem sou eu?

Reconhecemos alguém em qualquer fotografia pela imagem do rosto. E o corpo? Que contém registro de toda nossa vida, de tudo que nos afeta, nele está quem somos.  Pensei na cirurgia plástica, pessoas que mudam de identidade modificando a face, torna-se outra pessoa. E os registros do corpo, modificam também? Como essa pessoa passa a reagir depois disso?

Nós não temos a capacidade de olhar nosso rosto, o que vejo através do espelho é meu reflexo, como sei o que vejo é o que os outros veem? Temos a capacidade de olhar para dentro de si.

O rosto em branco… Por que não explorar a expressão corporal, mais do que a expressão facial?