Universo a ser construido

Estava pensando sobre o processo criativo, sobre meu processo que na verdade é um processo de formação e comecei a ler o livro da Maria Regina do Amaral e gostei muito de ler essa parte que é de encontro com o que estava pensando.

“Estar diante de uma folha de papel em branco, com uma caneta na mão, é uma experiência que pode suscitar reações as mais diversas.

Para alguns, será difícil resistir à tentação de desenhar sobre ela palavras ou imagens. O papel se apresenta como um universo a ser construído, totalmente à mercê do desejo. É assim que qualquer obra começa: com o reconhecimento do desejo de executá-la. Esse desejo pode expressar um terror diante do espaço vazio, gerador de angústia. Torna-se necessário seu preenchimento, torna-se necessário o aparecimento de formas que o limitem. Entretanto, o desejo também pode brotar de um enorme prazer em juntar linhas, que lentamente vão se compondo e expressando este ou aquele conteúdo. Enfim, seja qual for o desejo, o fato é que o vazio vai desaparecendo à medida que formas forem começando a surgir. Aquelas primeiras linhas escritas, na folha até então em branco, que minutos antes continha todas as possibilidades, vão ganhando contornos definidos, fruto das opções que o autor/artista teve que fazer ao se decidir pela linha x e não pela linha y. Essas escolhas acarretam redução de amplitude, mas propiciam como resultado a existência da obra que vai se delineando.

Outra possibilidade que surge da folha em branco é a paralisação. Paralisação que brota e se assenta sobre o reconhecimento da infinitude de possibilidades que poderiam se realizar ali, naquele vazio que espera, que aguarda pujante de formas. Paralisação que nasce de uma recusa do autor/artista de abrir mão da multiplicidade intuída naquele espaço. Daí podermos concluir que criar é, antes de tudo, um ato de renúncia. Nada é criado, se antes não houver renúncia à plenitude, que existe, porém, somente enquanto devir. Criar é um ato de escolha…”

“… o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão.”
(Grande Sertão: Veredas – Guimarães Rosa)